domingo, 15 de agosto de 2010

TEMPOS DE CRÍTICA

Stella Maris, que interpreta Carrar
Por Rodrigo Dourado

Fui ontem assistir à montagem de "Os fuzis da Senhora Carrar", no Hermilo. Agora, leio atento às críticas dos jornais pela Internet. Estamos numa temporada engraçada, há algumas semanas, temos crítica nos jornais toda segunda-feira. O que me chamou atenção é que três espetáculos locais receberam críticas recentemente: 1. O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas; 2. Lágrimas de Um Guarda-Chuva; 3. Os fuzis da Senhora Carrar.

CHAT não recebeu nenhuma. E parece um enorme paradoxo porque eu venho me exercitando nessa seara há anos e, quando estreio um trabalho como diretor, o retorno é nulo. Mas isso diz bastante do caráter do nosso trabalho: off-off-off. Nenhum jornal se interessou em escrever sobre ele. Bom, de toda forma, isso será sanado de maneira alternativa esta semana, quatro resenhistas farão suas considerações sobre CHAT, a convite da Mostra Sexualidades em Performance, que acontece dentro do Seminário Internacional de Crítica. Estou feliz com o fato de termos esse registro para o futuro.

Por hora, deixo vocês com os textos de FolhaPE, JC e DP sobre a Senhora Carrar. Digo apenas que, cada um à sua maneira - considerando as incoerências, as fragilidades, os medos, as superficialidades, os exageros e (algumas) tolices do que vocês vão ler - tem um pouco de razão sobre a montagem. Neutro eu? Imagina!

FOLHAPE:

Segunda, 16 de Agosto de 2010 02:37


220V -

“Os fuzis da senhora Carrar”: guerra em território familiar

HUGO VIANA

Em tempos de guerra, perdas individuais são também dores coletivas. “Os fuzis da senhora Carrar”, peça baseada em texto do dramaturgo Bertold Brecht, dirigida por João Denys e protagonizada por Stella Maris, em cartaz no Teatro Hermilo Borba Filho até 19 de setembro, aos sábados e domingos, às 18h, explora esse argumento com nível variado de mérito.

A peça narra, com intenção emotiva graúda, a história de Tereza Carrar, mulher que perdeu o marido soldado no começo da Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Ela deixa a resistência e assume os códigos morais da igreja, permanecendo neutra numa época em que não agir é visto como ajudar o inimigo. A comunidade a trata como traidora e insiste para que ela entregue seus filhos e os fuzis para a causa.

É uma narrativa que resgata um tipo de teatro não pautado pela tentativa de reproduzir o espaço real capim por capim, sendo uma peça com compromisso estético em evidenciar a ilusão teatral. Esse esforço coletivo busca se aproximar a certa noção de modernidade, em que a transgressão e a pesquisa de linguagem mudaram a ordem natural das coisas.

A ruptura com a ilusão de realidade surge com a desconstrução do espaço cênico. O palco de estrutura mínima é decorado apenas com o essencial, chão, janela e mesa, potencializando a tensão claustrofóbica do texto. Os atores têm cara pintada de branco, numa possível leitura conceitual de como máscaras escondem sentimentos ambíguos.

Outra tentativa de quebra, essa confusa por algazarra generalizada, é a participação de um coro que de vez em quando berra testamentos com prazo vencido. As luzes do palco de intenções realistas são atenuadas e fontes artificiais iluminam a primeira fila, onde está o resto do elenco. A ação dramática para e esses atores gritam coisas como “Os pobres nasceram para apanhar”. Pobreza retórica vista também em frases como “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”, e outros ditados populares de qualidade literária nula.

Essas frases são ditas com militância teatral de baixa utilidade, uma mistura água e óleo entre interpretação rígida no molde clássico e tentativa modernista de reproduzir o distanciamento brechtiano, estratégia que evidencia os mecanismos da engenharia teatral como forma de estimular pensamento crítico.

Embora faça sentido enquanto pesquisa, essa ruptura é talvez enfraquecida pela sensação geral de sisudez do elenco, que ignora a evolução lenta e gradual do repertório emotivo e parece sempre ligado no 220V, com voz alta e gestual efusivo.


JC:

» TEATRO


Senhora Carrar resiste ao tempo

Publicado em 16.08.2010

Eugênia Bezerra

ebezerra@jc.com.br

A pequena arquibancada do Teatro Hermilo Borba Filho ficou lotada na prestigiada estreia da nova montagem da peça Os fuzis da Senhora Carrar, sábado à noite. A encenação foi bastante aplaudida no final pelos presentes. No palco, os atores deram vida a um texto do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, em que vemos uma mãe tentando proteger os filhos durante os conflitos da Guerra Civil Espanhola. Este drama materno, no entanto, pode desdobrar-se em várias reflexões sobre a sociedade, liberdade e ideologias, entre outros temas. E não só em uma perspectiva histórica, pois algumas questões permanecem bastante atuais.

Tereza Carrar, a personagem do título, é interpretada pela atriz Stella Maris Saldanha. Há 32 anos, ela ganhou um troféu de atriz revelação pelo mesmo papel, em uma montagem feita pelo grupo Teatro Hermilo Borba Filho, assinada pelo já falecido Marcus Siqueira (homenageado na estreia deste sábado). No elenco também estava João Denys, diretor da montagem atual.

A história se passa em 1936, em uma vila de pescadores na Espanha. Após ter perdido o marido no conflito, Tereza reluta em deixar que seus dois filhos também sigam para a frente de batalha. Para isso ela tenta proteger os dois, observando pela janela enquanto Juan pesca e deixando José em casa. Em determinado momento, a personagem chega a afirmar que suportar a vida não é fácil, mas que os fuzis não são a solução e defende o diálogo.

Mas, a guerra vai chegando cada vez mais perto da vila e daquela família. Ao mesmo tempo, o irmão de Tereza, Pedro, também aparece para tentar convencê-la a revelar onde estão guardados os tais fuzis, que pertenceram ao marido dela, para ajudar a fortalecer a resistência. A situação, cada vez mais complicada, parece impor novas atitudes a todos os personagens.

Toda esta ação concentra-se basicamente na casa família. A cenografia é simples e eficaz, fazendo um bonito uso dos contrastes entre a madeira clara dos móveis e do tablado com os tons escuros que predominam no figurino e no cortinado ao fundo do cenário.

Mas a peça não está alheia aos fatos históricos. O que acontece do lado de fora deste núcleo familiar é representado com recursos de sonoplastia e iluminação, além da participação de atores portando objetos de cena ou transformando-se em uma espécie de coro. A escolha mostra que há soluções cênicas interessantes mesmo com economia de recursos.

Os fuzis da Senhora Carrar faz parte do projeto Transgressão em três atos, idealizado por Stella Maris, com os professores e pesquisadores Alexandre Figueirôa e Cláudio Bezerra. Eles farão um estudo sobre três companhias de teatro pernambucanas: o Teatro Hermilo Borba Filho, o Teatro Popular do Nordeste e o Vivencial Diversiones. A primeira etapa da iniciativa compreende a montagem de peças importantes na trajetória dos grupos.

DP:

Senhora Carrar e a estupidez da guerra Texto de Brecht é montado no Recife, mostrando que é essencial refletir sobre os valores da sociedade no início do século 21


Ivana Moura

ivanamoura.pe@dabr.com.br

Um pequeno tablado com uma janelinha suspensa, luz branca, gestual que atiça antigos sonhos, dez bons atores e uma direção primorosa para dar conta de problemas éticos e das utopias renovadas em Os fuzis da Senhora Carrar, com texto do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. O espetáculo estreou sábado, no Teatro Hermilo Borba Filho, com casa lotada. A montagem é uma revisitação estética e histórica de outra encenação de Os fuzis... realizada em 1978, pelo Grupo Teatro Hermilo Borba Filho, com direção de Marcus Siqueira. E faz parte do projeto de pesquisa cultural Transgressão em três atos, desenvolvido pelos jornalistas Cláudio Bezerra, Alexandre Figueirôa e Stella Maris Saldanha, que protagoniza a peça.

Os Fuzis da Senhora Carrar leva à cena a história de Tereza Carrar, moradora de uma pequena vila de pescadores e mãe de Pedro e Juan. O tempo é de conflito entre pacifistas e soldados, entre homens comuns e revolucionários anti-franquistas. Mas nossa protagonista já perdeuo marido e faz qualquer coisa para não ver os filhos metidos na guerra. A peça foi escrita por Brecht em 1937, no período da Guerra Civil Espanhola, que durou de 1936 a 1939. Dizem que não existe dor maior do que perder um filho (a). Tereza tenta evitar essa dor. Não é tarefa fácil, os generais avançam e a perda da liberdade se faz sentir cada vez mais perto. Como manter a neutralidade diante de uma situação dessas? Mas como entregar seus jovens filhos a uma guerra sangrenta, da qual dificilmente se sobrevive?

Sabemos que Brecht imaginava que o teatro deveria servir como instrumento de transformação social e de reflexão crítica da plateia. Mas Senhora Carrar é a mais dramática das peças do dramaturgo alemão. É estruturada de forma linear e nos faz acompanhar a decisão trágica dessa mulher que, diante dos acontecimentos não encontra outra alternativa para se manter viva.

"Por quem lutar ou enlutar, Carrar?", pergunta o encenador João Denys no programa da peça, em meio a uma avalanche de questionamentos que a própria montagem já desperta. Lá atrás, na ditadura do general Franco, as atrocidades e os terrores da guerra, o sacrifício humano e a barbárie. A guerra hoje é mais difícil. Existe uma letargia diante do capitalismo que dita destinos e as facilidades de comunicação sufocam o verdadeiro diálogo. Mas diante da intolerância, da miséria e da grotesca realidade cotidiana, da subserviência ou do torpor, a Senhora Carrar de Stella Maris Saldanha e de João Denys se insurge para lembrar da humanidade, sem romantismo ou heroísmo. Mas carregada de emoção.

Com seus rostos pintados de branco, os atores agem com a grandeza que o texto merece. A atuação de Stella Maris Saldanha como a protagonista Tereza é de tirar o chapéu. Voz clara, gestos firmes e nuances comoventes de uma mãe que luta enquanto pode para proteger seus filhotes. Ela sangra no palco e essa dor atinge o público. O ator Roger Bravo faz José, o filho de Tereza que quer ir para o front. Uma performance convincente. José Ramos faz o operário com garra e competência. Os três ficam a maior parte do tempo em cena. Alfredo Borba faz o papel do padre reacionário com destreza.

Também participam do elenco, em papeis menores mas não menos importantes: Ailton Brito, Evandro Lira, Karina Falcão, Socorro Albino, e Antonio Marinho. Enquanto não estão no palco, o elenco fica sentado na primeira fila. A direção de arte (cenário, figurino e maquilagem) é assinada pelo próprio João Denys. A sonoplastia, também de Denys, amplifica a carga das cenas. Um espetáculo ainda mais necessário neste começo de século 21.

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