segunda-feira, 23 de agosto de 2010

PERGUNTEM À MAQUINA: APONTAMENTOS DE UM CYBER COFFEE

Por Jorge Bandeira*

Uma peça importante a qual não se dá(ainda!) muita importância. Um jovem elenco ligado aos emoticons e emoções de um teatro do século XXI, sem muita parafernália, mas com uma intensão digna de colocar neste universo da informática, de forma grotesca e direta, elementos que nos fazem pensar quando, onde e porquê chegamos nesta situação de virtualidade visceral, espécie de matrix que corroe nosso pensar, pois este mundo já nos diz respeito, e, se não temos um nickname, tratemos de encontrar um, ou faça a opção de perder contatos “humanos” e outras benécies abalizadas pelo modelo capitalista vitorioso. Caso não esteja satisfeito, basta desligar a máquina PC, e quem me lê agora já está, involuntariamente, neste sequencial binário de acomodações, dúvidas e inquietações, e lembre-se sempre dos hackers e vírus ocasionais que pululam nesta rede, que balança ao sabor dos ventos cibernéticos.

CHAT, numa tacada só, condensa estas preocupações universais, pois para quem não recorda as células terroristas da Al-Qaeda estiveram(ou estão ainda?) no cone Sul tempos atrás. Violência é um tema real que abarcou o virtual e hoje temos uma confusão mental onde começa e termina um ou outro. CHAT, dramaturgia venezuelana de Gustavo Ott é a prova de fogo que precisamos ver para entender o que já sabemos, o mundo está globalizado, e o Teatro de soluções ligeiras ficou no século passado. Aqui a cena se compõe de dúvidas, misturas certas de que após o muro caído a segurança de uma rotulação política está completamente fragmentada, ou pelo menos dissossiadas de antigos chavões, e as retóricas cabem numa palma de mão.

Glauber Rocha já profetizou: existem ricos e pobres, e só. A classe média pensa sobre isso, sobre estas diferenças que flutuam carregando seus mártires, seus líderes, seus fantasmas permanentes. CHAT é um exercício que escapa desta rotulação fácil, na verdade o pós-dramático também se afirma, e nisso já é também um outro rótulo do sistema das bolsas de valores do pensar institucionalizado, onde não custa recordar que conhecimento também é PODER.

CHAT é uma peça de teatro encenada para este futuro que já está na porta da imigração, e sair em busca de algo, mesmo que desconhecido, é uma tarefa de Hércules, onde o território da informática já encontrou sua janela de deslumbre e desbunde: WINDOWS.

A encenação de Rodrigo Dourado dialoga com as situações-limites que se impuseram na era da internet, e que nem as legislações conseguem suplantar. A informação desencadeada pela internet é expandida quase sem controle, e isso tem sido a causa de embaraços aos estados controladores. Podemos dizer que o big brother de Orwell, na versão do cyber-espaço e do hipertexto foi contaminado por um poderoso vírus chamado liberdade de expressão, e nisso quebra-se a variante que antes demonstrava-se segura: o dono de minha mensagem/foto/ sou eu mesmo, eu controlo meus dados. Cabe ao Estado, coibir excessos.

O Estado, em seu sentido político de reparação, virou réfem de uma conjectura de liberar TUDO ou quase tudo, se desejar manter o conceito um tanto quanto desgastado de democracia dentro de suas fileiras eleitorais e de seu marketing. Porém, este ser humano não respeita normas impostas dessa forma, e seres humanos às vezes são éticos e “normais”, porém a ficha criminal e as patologias infestam também a rede mundial de computadores, embaçando, destarte, o olhar do velho big brother de George Orwell.

CHAT demonstra que vivemos neste mundo de farsa, mas que sai de seu entorno para o plano do real com extrema facilidade, tentando as taras e as manias e os crimes, mundo calcado nas perigosas combinações binárias de bytes e k-bytes. A serpente da perdiçãoe do pecado hoje aparece nas telas dos computadores espalhados por todo o mundo, da mais emergente cidade industrial e tecnológica até os confins esquecidos e neglicenciados da floresta amazônica. Não há, hoje, tribo que não tenha pelo menos um cacique cibernético.

O índio romantizado ficou no século XVIII com Rousseua ou os apologistas de um índio transcendental, feito de sonhos e utopias. O índio de hoje não está mais NU, portanto, sujeito está a estes cataclismas do mundo informatizado. Agora vamos nos conectar na encenação de CHAT pelo Grupo Teatro de Fronteira, sob a direção geral de Rodrigo Dourado.

As luzes apagam e lanternas acendem, perfilando rostos de uma webcam direcionada ao chat caótico deste circo de atrocidades. Tudo se encontra neste bate-papo virtual, e as cenas se intercalam como se páginas da net fossem modificadas instantaneamente, sem o controle do internauta.

Os nicknames-coringas também é um ponto que preciso destacar. Um texto veloz onde os jovens atores(e uma ótima atriz!) preenchem o palco e as cenas de passagem e trocas “coringais” capacitam as cenas novas e novas surpresas aparecem ao espectador. Talvez a crueza mais contundente do texto de Ott/Dourado/Wellington fique um tanto tímida(momentos de felação e as partes anuais, referências ao ânus, no início do espetáculo), mas o elenco jovem é seguro, apesar disso, e não se deixa intimidar e leva a encenação ao propósito primordial do desagradável, tema recorrente aos que ficaram para o debate após a peça.

A violência e a violação dos direitos individuais ganha força no decorrer deste CHAT, conversa em espiral, que gira em círculos e que sai da máquina para o homem e vice-versa. Islamismo, fundamentalismo, burcas ideológicas de uma “guerra santa” que foi levada à loucura pela era desastrosa de Bush(pai e filho, cruzes!), e nisso a atualidade do texto é referendada, pois ainda temos, em 2010, Guantánamo, uma cortina que talvez se descerre deste enredo de degeneração da espécie humana. CHAT, novamente, nos coloca nesta atualidade, e se não há interesse por ela, como presentificação de nossa realidade, a culpa não cabe ao Gustavo Ott e ao Teatro de Fronteira, mas ao esquecimento histórico recente perpetrado com ajuda da mídia e de certos setores que insistem em pular a página da História que ainda encontra-se na metade da leitura.

A ridicularização do american way of life, através da glamourosa sequência de LOS ANGELES, cidade do espetáculo e da falsidade, onde o homem/mulher de cartola vomita suas aleivosias ao ingênuo deuteragonista que pergunta futilidades, e as claques ecoam ao longo do diálogo insano.

Linda é a sequência dos bonecos da “empanada”, emoticons-fantoches que lembram o que temos de pior nesta tradição dos bonecos, modelos fartamente utilizados pelos teatros cristãos de circunstância, especialmente da sua vertente pentecostal, mas que aqui ganham um charme todo especial, “ smiles” numa cena onde os atores demonstram perícia em sair deste motivo alegórico e adentrar no plano da atuação sem os bonecos, em perfeita sincronia com o ambiente sonoro, sem atropelos. Os atores retornam naturalmente às suas interpretações.

As marcas de movimentação das personagens deixam as cenas compreensíveis, em geral numa triangulação, onde o exemplo mais vísivel é a captura do internauta pela “boneca voodoo”, e que cena de impacto, aos sons de uma percussão engendrada feito um ponto de candomblé.

CHAT também pulsa este transgredir, sons de um tambor acelerando o coração e a sequência traumática de aprisionamento do infeliz neste cyber-espaço teatral, e uma respiração com ares de suspense, fechando a moldura desta parte de primor estético de CHAT. “Vamos morrer todos!”, e o próprio Teatro e a audiência torna-se réfem deste circo de horrores, arma em punho, circulando num palco, e a cena é interrompida, feito uma conexão que cai, inadverdidamente , e nova trama começa, ou recomeça.

É a emergência da internet, é a proliferaão de imagens, de textos, onde a única finitude que temos é a de seres humanos condenados ao sorriso eterno de suas caveiras . Vender uma criança ou atravessar uma fronteira perigosa é exatamente a mesma coisa, uma situação-limite, ilegal, e que acarreta, muitas da vezes, em catástrofes existenciais.

Por isso CHAT me pegou de jeito, talvez pelo fato de me fazer lembrar de um amigo que partiu, Orleilson Monteiro(veja no Orkut!), jovem que também, de uma forma ou de outra, representa o antí-clímax proposto por CHAT, CHATeando, por isso, aos que querem um Teatro de fórmula fácil, de apelos emocionais e de respostas acabadas para o limiar de uma loucura que é este século de contrastes.

*Historiador, ator e diretor de teatro, organizador do cine-clube LIPPOMUSIC, dramaturgo, poeta, escritor, membro do Conselho de Cultura de Manaus, naturista, fundador do Graúna(Grupo Amazônico União Naturista: http://www.graunaam.com.br)

Manaus, 23 de agosto de 2010.

Um comentário:

  1. O VIRTUAL QUANDO TORNA-SE REAL, CHAT ALERTOU, E ALERTA (e pensar que assistimos dias atrás esta "quase" profecia de CHAT: MACRESSE DE 72 IMIGRANTES DE FRONTEIRA, DOS QUAIS, 4 BRASILEIROS)EIS A CONTUNDENTE ATUALIDADE DE CHAT.JORGE BANDEIRA

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