sexta-feira, 13 de agosto de 2010

CARRAR e GUARDA-CHUVA

Por Rodrigo Dourado

Eu tou escrevendo esse post, mas confesso que morrendo de medo das leituras enviesadas que ele pode causar. Conversando com Roberto Lúcio, que é um pernambaiano, lá em Salvador nesse meu período de estada na capital baiana, ele me disse uma coisa muito simples, porém altamente esclarecedora a respeito do "espírito" das duas "metrópoles" nordestinas. Vou parafrasear: "Salvador é uma cidade novidadeira. Gosta dos novos, incentiva-os. Recife é uma cidade da tradição, desconfia e duvida dos novos".

Essa conversa se deu porque eu fui assistir a um grupo de alunos egressos da UFBA que havia montado um espetáculo de conclusão de curso com direção de Luiz Marfuz, e estava fazendo o maior sucesso em temporada na Sala do Coro do Teatro Castro Alves. Claro, era uma comédia. Claro, tinha Luiz Marfuz (respeitado na cidade) por trás. Claro, a montagem de fato tinha muitas qualidades e o elenco era bom. Claro, o baiano vai mais ao teatro que o pernambucano.

Mas quando eu vi o programa deles e a quantidade de apoios que conseguiram, fiquei assustado. Era muita coisa. E Roberto me esclareceu que era um grupo com uma "pegada" boa de produção, mas que, além disso, havia uma simpatia da cidade (especialmente dos comerciantes, empresários, imprensa) pelo que era novo.

Isso realmente mexeu comigo. Porque faz exatamente 16 anos que eu estou metido com o mercado teatral dessa cidade do Recife. 13 com mais intensidade. Vendo tudo, fazendo, errando, acertando. E eu continuo sendo novo. Às vezes eu acho engraçado, às vezes, eu acho cansativo. No começo dessa década, mais precisamente em 2003, houve um grande debate sobre a nova cena da cidade, os novos diretores e tal. E eu estava lá, participando ativamente do "babado". Isso realmente impregnou-se no discurso das pesssoas naquele tempo e parecia uma visada esperançosa. Mas esse debate se esvaziou, muitos pararam de dirigir e o foco nos diretores cessou, voltando-se para os grupos a partir de 2005.

A verdade é que esse comportamento recifense, pernambucano, é visível nos movimentos culturais da cidade e no métier teatral é "batata'. Na Imprensa, então, nem se fala. Nas comissões de leis de incentivo, afe maria! Os projetos têm que ter sempre os mesmos nomes, as pessoas não acreditam que você possa fazer algo interessante. E a cidade vai, assim, ficando mofada, velha, cansada, repetitiva, reacionária, conservadora. Enfim, é triste.

Eu não acho que a gente não deva estender o tapete para os experientes, os mestres. Mas aqui, essa relação se estabelece como uma relação de disputa, tipo: "Eles querem tomar o nosso lugar. Não podemos deixar". Eu não sei de onde vem isso, talvez desse sentimento pernambucano eterno de ter sido superado economicamente por outros estados do Brasil, essa necessidade de se apegar ao "antigo" como valor absoluto de troca da nossa cultura. Enfim, sou todo incertezas.

Agora, por exemplo, na cidade, estão em cartaz dois espetáculos de diretores que começaram suas carreiras nos anos 70 e com os quais o teatro do Recife tem um grande débito. Eu presto toda reverência, deferência, a esses dois: Cadengue e Denys, que me ensinaram um bocado sobre teatro com seus escritos, com sua cena, com suas falas, mesmo que não saibam disso.

E acho que a relação tem de ser essa, reconhecer a história - não se alienar dela - mas não temer o futuro, investir nele. Por isso, eu digo, vão assistir CHAT, mas não deixem de ver Lágrima de um Guarda-Chuva e Os fuzis da senhora Carrar. Eu já vi o primeiro.

Segue matéria sobre os fuzis no JC.

» DRAMA


Senhora Carrar volta depois de três décadas

Publicado em 13.08.2010

Stella Maris Sandanha estreia hoje no papel que a revelou como atriz, na montagem do clássico de Bertolt Brecht

Duda Martins

emartins@jc.com.br

Há 32 anos, uma atriz iniciante ganhava do seu diretor um dos principais papéis da sua carreira. Tereza Carrar era uma personagem complexa, madura, cheia de significados, e aos 18 anos era quase impossível Stella Maris Saldanha absorver todo o peso que a cria do alemão Bertolt Brecht carrega. Quase, pois a despeito da falta de experiência, o papel lhe rendeu, naquele ano de 1978, o prêmio de Atriz revelação. A peça tinha direção de Marcus Siqueira e trazia no elenco ainda o jovem João Denys, que no auge dos seus 22 anos se entregava ao primeiro trabalho de repertório dentro do grupo Teatro Hermilo Borba Filho. Stella e João Denys voltam no tempo amanhã, às 18h, com a estreia de Os fuzis da Senhora Carrar. Agora no papel de diretor, Denys afirma: “não é uma réplica do que foi visto há mais de 30 anos, mas pretendemos emocionar as pessoas como fizemos naquele tempo”.

A peça é o pontapé inicial do projeto Transgressão em Três Atos, idealizado por Stella Maris, em parceria com os professores e pesquisadores Alexandre Figueirôa e Cláudio Bezerra. O trio fará um estudo sobre três dos mais emblemáticos grupos de teatro de Pernambuco, o THBF, o TPN e o Vivencial Diversiones. A primeira etapa é a montagem dos espetáculos que marcaram a trajetória das companhias.

O casting de Os fuzis foi cuidadosamente escolhido. “Queríamos pessoas que de alguma forma estivessem envolvidas com a história do THBF”, disse Stella. Socorro Albino, José Ramos e Eduardo Diógenes são egressos do extinto grupo. Também foram convidados Roger Bravo e Alfredo Borba, (filho de Hermilo), que anunciou ser essa a sua última participação nos palcos recifenses.

Considerada uma das obras mais dramáticas de Brecht e um dos maiores clássicos da dramaturgia mundial, a peça é ambientada no ano de 1936, durante os conflitos político-sociológicos da Guerra Civil Espanhola. Após ter perdido o marido lutando nas brigadas de autodefesa, a Senhora Carrar se enclausura junto com suas contradições existenciais e teme o futuro de um dos seus filhos, que está prestes a tomar o mesmo caminho do pai, alistando-se junto à forças armadas. “Eu não acredito nem em resgate, nem em remontagem. O tempo é inapreensível. Tudo hoje é diferente. Seria me molestar muito, trabalhar em cima dessa proposta. Se naquela época a peça estava grudada aos resquícios de uma ditadura, no fim de 70, a nossa questão é mais voltada para uma revolução ética”, contextualiza Denys. Segundo ele, a questão basilar desta montagem é a não-neutralidade. “O texto instiga as pessoas a tomarem partido. Fazer com que elas reflitam sobre a importância de suas decisões”, diz o diretor.

Poucas modificações diferenciam a cenografia atual do cenário projetado na primeira encenação, feita no antigo Teatro Hermilo Borba Filho, sediado em uma pequena casa em uma das ladeiras de Olinda. O cenário reproduz o estreito palco daquele teatro, com os mesmos objetos cênicos.

Marcus Siqueira é o principal homenageado na noite de estreia do espetáculo. Merecedor de toda a devoção dos atores – que o tratavam como mestre – o antigo diretor do grupo foi a força motriz desse projeto. “Ele defendia uma estrutura cênica despojada de ilusões e artifícios. Era um teatro de ideias e de expressão social”, explica Stella. “Eu nunca consegui me divorciar da Senhora Carrar. Essa é uma possibilidade de tocar em coisas escondidas, inclusive no amor. Eu tinha um grande amor por Marcus Siqueira. Quando ele morreu fiquei meio órfã, meio viúva. Se você me perguntar hoje qual é o meu estado de espírito eu digo: eu sou uma mulher apaixonada. São muitos os caminhos que levam a esta montagem. Da grandeza do autor do texto, Bertolt Brecht, à alegria de representar. Mas agora, escolho apenas dois desses caminhos vários: a provocação e o afeto”, completa a atriz.

» Os fuzis da Senhora Carrar. Amanhã e domingo, às 18h. Teatro Hermilo Borba Filho (Av. Cais do Apolo, s/n, Bairro do Recife). Ingressos: R$ 20 e R$ 10. Fone: 3232-2030.

Nenhum comentário:

Postar um comentário