domingo, 5 de setembro de 2010

Chat – um lugar de encontros

Por Júnior Aguiar

No último domingo de agosto terminou a primeira temporada do espetáculo chat no belo e sempre acolhedor Teatro Joaquim Cardozo.

Chat é um trabalho importante e configura uma obra de larga dimensão na nova cena recifense. Vários são os motivos que justificam nossa aclamação/reflexão: os vários nomes envolvidos no projeto, a atualidade/complexidade do texto, as críticas levantadas durante e após o Seminário Internacional de Crítica Teatral realizado no Recife e, principalmente, a forma criativa do grupo Teatro de Fronteira, ao pensar no teatro contemporâneo.

A encenação foi concebida pelo pesquisador, crítico e professor de teatro Rodrigo Dourado, com o suporte de um elenco diversificado, formado pelos atores: Arthur Canavarro, Danilo Tácito, Kiko Golveia e Patrícia Fernandes. O texto de Gustavo Ott, premiado dramaturgo venezuelano, foi traduzido por Dourado e Wellington Jr (que assinou o trabalho de dramaturgismo). Destaque especial para a sonoplastia irreverente e bem pontuada proposta por André George e Rodrigo Dourado. Sem dúvida, um dos melhores pontos do espetáculo! Vale ainda ressaltar a presença de Carlos Ferrera, Java Araújo, Dado Sodi, Bruno Brito e Nelson Lafayette. Nomes bastante atuantes no teatro pernambucano.

O pequeno Joaquim Cardozo estava quase cheio. A música indicava uma conexão, os atores pela platéia dizem textos poéticos enquanto vamos sentando, escolhendo nossos lugares de acesso. É o começo da navegação. Aos poucos, vamos sendo apresentados a cada um dos personagens (Pilarsur – uma garçonete / Dylan17 – um adolescente circunspecto / Boris22 – um professor infeliz / Erika17 – uma adolescente obcecada por beleza / 80min – um pedófilo / Andrea40 – uma mulher louca para ser mãe / Arte44 – um aliciador de mulheres / Montobe – uma mulher aliciada pelo tráfico humano / Ahmed1109 – que procura homens-bombas para lutar pela guerra santa). Observando esse mosaico humano vamos entendendo como funciona a lógica do jogo que está sendo proposto.

Os atores vivem todos os personagens, brincam de nos confundir, de “mentir” quem são realmente. E de vez em quando, sempre perguntam enquanto dialogam: Você é mesmo de verdade? De alguma forma a peça começa nesse ponto, questionando a veracidade do real ou evidenciando a dimensão das ilusões, do simulacro que configura esses lugares de encontro no espaço virtual. No fim, tudo pode ser mentira ou não. Quem já entrou num chat, quem já esteve numa sala de bate-papo sabe muito bem do que estou falando. E os personagens dizem logo de imediato: “Qual seu nome? Quantos anos? Como é o seu Cuzinho? Me manda uma foto dele para eu saber se você existe?”. Os personagens parecem se divertir com suas taras, compulsões e desejos incontroláveis. E muitas vezes falam sério, levando tudo o que sentem, às últimas conseqüências. Cada personagem tem um elemento que o personaliza. Assistimos abertamente os atores compondo rapidamente cada personagem e numa rapidez ainda maior se desfazendo dele. Na maior parte da encenação, o elenco acerta nas escolhas, buscando uma unidade para a encenação dentro da perspectiva proposta por Rodrigo Dourado - que enxergou no discurso de Gustavo Ott - uma visão pertinente e provocativa sobre a Internet.

Não há como negar, as coisas vão ficando confusas, temos que ligar os pontos da narração, correr atrás dos sentidos para entender e compartilhar “os arquivos” enviados por cada fala. É a fragmentação do pós-dramático, do pós-moderno, do cotidiano atual das nossas grandes cidades repletas de informações. As críticas sobre o espetáculo ou o aparente distanciamento do público (que não parece cúmplice durante a maioria das apresentações) têm como base esse elemento dramatúrgico que, muitas vezes, não facilita o nosso acesso. Apesar de querer de nós, espectadores passivos, uma relação mais ativa. Na crítica de Paulo Bio Toledo, publicada no site Bacante em Obras, levanta-se um questionamento muito pertinente: seria o público que não responde, porque anestesiado e passivo? Ou deveria ser objetivo da própria arte encontrar a linha cirúrgica de diálogo com seu tempo?

Nesses momentos em que nos distanciamos é como se a “conexão tivesse caído” ou como comumente se diz a velocidade ficada lenta. O espetáculo ou o texto se distancia de nós, não comunicando diretamente para onde quer nos levar com todas aquelas histórias. Mesmo que no fim, uma das partes mais bonitas e emocionantes, tudo pareça esclarecido, encaminhado para uma reflexão sobre nossa existência e nossas relações (tudo acompanhado por uma bela e arrebatadora música instrumental).

Chat é um retalho de cenas, de imagens, de pequenas falas como um diálogo de internet. É metalinguagem, metateatro. Tem muito humor e destaco a cena que Patrícia Fernandes vestida de tio Sam seduz um rapaz para levá-lo aos EUA. Ou quando Arthur Canavarro diz que a melhor coisa do mundo para ele é ir na praia (e todos ilustram a imagem). Ou quando os atores fazem a manipulação dos emoticons. KKKKKK

Na peça, a internet não é o lugar da violência, como de imediato pode parecer aos nossos olhos assistindo todos aqueles conflitos emergirem quase sem fim. A violência, na verdade, está e sempre esteve nas pessoas. Evidenciando do que a espécie humana é capaz. São sempre de dentro de nós que nascem as atitudes, claro, que muitas vezes, influenciadas pelos contextos. A internet é apenas um (vasto) instrumento que nos faz pensar: Para onde vão as pessoas quando acessam esse mundo desconhecido, perigoso e fantástico?! Quem elas querem ser? E do que elas são capazes? Pensamos durante ou depois da encenação terminar. E a peça está ali para nos dizer que é preciso acreditar ou que os encontros/desencontros são inevitáveis entre todos nós – imersos nessa rede, nessa teia simbólica.

Para mim, constato que o teatro comunica ou tenta comunicar, a cada nova apresentação, um mundo que não se esgota. E essa é a sua missão mais importante! Era a terceira vez que eu estava ali assistindo Chat e era maravilhoso perceber como as idéias crescem, como os atores melhoram com o tempo das temporadas e que o extraordinário é essa evolução sincera da cena e do trabalho de cada ator, em cada um dos seus níveis de aprendizado e conhecimento sobre as artes cênicas, sobre a obra que defendem com seus próprios corpos. Eu sei o quanto todo aquele grupo ensaiou durante meses, o quanto foi investido de sonho, de dinheiro e de amor pelo teatro para se chegar ali, naquela parte desse longo caminho, naquela cena reconhecidamente contemporânea.

atenciosamente,

Júnior Aguiar

Jornalista e

ator do Coletivo Grão Comum

http://graocomum.blogspot.com

sábado, 28 de agosto de 2010

PE360GRAUS

Temporada do espetáculo CHAT no Recife encerra neste fim de semana


Apresentações acontecem neste sábado (28) e domingo (29), às 20h, no Teatro Joaquim Cardozo; ingressos custam R$ 10 (inteira) e R$ 5 (estudante)

Da Redação do pe360graus.com



AmpliarFoto: Divulgação
Juan Guimarães



Depois de participar do Seminário Internacional de Crítica Teatral, o espetáculo CHAT realiza suas últimas apresentações neste fim de semana, sábado (28) e domingo (29), às 20h, no Teatro Joaquim Cardozo. Os ingressos custam R$ 10 (inteira) e R$ 5 (estudante).



Com texto do venezuelano Gustavo Ott e direção de Rodrigo Dourado, a peça é uma provocação sobre temas urgentes para o nosso tempo: Islã, terrorismo, conflitos religiosos, Oriente vs Ocidente, Internet, violência juvenil e fluxos migratórios.



São seis narrativas-mestras imbricadas como um hipertexto, numa articulação fragmentária e livre que pretende, do ponto de vista formal, traduzir a sensação de deriva e de instabilidade do ato de navegar, em sua acepção contemporânea.



Com esta montagem, o Grupo Teatro de Fronteira assume como projeto de pesquisa investigar os temas e as questões contemporâneas, sem perder de vista o teatro e seus recursos como ferramentas expressivas e o homem como objeto principal de sua cena.



Agora, o grupo segue à procura de espaço para a realização de uma nova temporada ainda em 2010. Outras informações no blog www.teatrodefronteira.blogspot.com.



SERVIÇO:

CHAT

Quando: sábados e domingos, 20h

Onde: Teatro Joaquim Cardozo

Quanto: R$ 10 e R$ 5



http://pe360graus.globo.com/diversao/diversao/teatro/2010/08/27/NWS,519555,2,24,DIVERSAO,884-TEMPORADA-ESPETACULO-CHAT-RECIFE-ENCERRA-FIM-SEMANA.aspx

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

PERGUNTEM À MAQUINA: APONTAMENTOS DE UM CYBER COFFEE

Por Jorge Bandeira*

Uma peça importante a qual não se dá(ainda!) muita importância. Um jovem elenco ligado aos emoticons e emoções de um teatro do século XXI, sem muita parafernália, mas com uma intensão digna de colocar neste universo da informática, de forma grotesca e direta, elementos que nos fazem pensar quando, onde e porquê chegamos nesta situação de virtualidade visceral, espécie de matrix que corroe nosso pensar, pois este mundo já nos diz respeito, e, se não temos um nickname, tratemos de encontrar um, ou faça a opção de perder contatos “humanos” e outras benécies abalizadas pelo modelo capitalista vitorioso. Caso não esteja satisfeito, basta desligar a máquina PC, e quem me lê agora já está, involuntariamente, neste sequencial binário de acomodações, dúvidas e inquietações, e lembre-se sempre dos hackers e vírus ocasionais que pululam nesta rede, que balança ao sabor dos ventos cibernéticos.

CHAT, numa tacada só, condensa estas preocupações universais, pois para quem não recorda as células terroristas da Al-Qaeda estiveram(ou estão ainda?) no cone Sul tempos atrás. Violência é um tema real que abarcou o virtual e hoje temos uma confusão mental onde começa e termina um ou outro. CHAT, dramaturgia venezuelana de Gustavo Ott é a prova de fogo que precisamos ver para entender o que já sabemos, o mundo está globalizado, e o Teatro de soluções ligeiras ficou no século passado. Aqui a cena se compõe de dúvidas, misturas certas de que após o muro caído a segurança de uma rotulação política está completamente fragmentada, ou pelo menos dissossiadas de antigos chavões, e as retóricas cabem numa palma de mão.

Glauber Rocha já profetizou: existem ricos e pobres, e só. A classe média pensa sobre isso, sobre estas diferenças que flutuam carregando seus mártires, seus líderes, seus fantasmas permanentes. CHAT é um exercício que escapa desta rotulação fácil, na verdade o pós-dramático também se afirma, e nisso já é também um outro rótulo do sistema das bolsas de valores do pensar institucionalizado, onde não custa recordar que conhecimento também é PODER.

CHAT é uma peça de teatro encenada para este futuro que já está na porta da imigração, e sair em busca de algo, mesmo que desconhecido, é uma tarefa de Hércules, onde o território da informática já encontrou sua janela de deslumbre e desbunde: WINDOWS.

A encenação de Rodrigo Dourado dialoga com as situações-limites que se impuseram na era da internet, e que nem as legislações conseguem suplantar. A informação desencadeada pela internet é expandida quase sem controle, e isso tem sido a causa de embaraços aos estados controladores. Podemos dizer que o big brother de Orwell, na versão do cyber-espaço e do hipertexto foi contaminado por um poderoso vírus chamado liberdade de expressão, e nisso quebra-se a variante que antes demonstrava-se segura: o dono de minha mensagem/foto/ sou eu mesmo, eu controlo meus dados. Cabe ao Estado, coibir excessos.

O Estado, em seu sentido político de reparação, virou réfem de uma conjectura de liberar TUDO ou quase tudo, se desejar manter o conceito um tanto quanto desgastado de democracia dentro de suas fileiras eleitorais e de seu marketing. Porém, este ser humano não respeita normas impostas dessa forma, e seres humanos às vezes são éticos e “normais”, porém a ficha criminal e as patologias infestam também a rede mundial de computadores, embaçando, destarte, o olhar do velho big brother de George Orwell.

CHAT demonstra que vivemos neste mundo de farsa, mas que sai de seu entorno para o plano do real com extrema facilidade, tentando as taras e as manias e os crimes, mundo calcado nas perigosas combinações binárias de bytes e k-bytes. A serpente da perdiçãoe do pecado hoje aparece nas telas dos computadores espalhados por todo o mundo, da mais emergente cidade industrial e tecnológica até os confins esquecidos e neglicenciados da floresta amazônica. Não há, hoje, tribo que não tenha pelo menos um cacique cibernético.

O índio romantizado ficou no século XVIII com Rousseua ou os apologistas de um índio transcendental, feito de sonhos e utopias. O índio de hoje não está mais NU, portanto, sujeito está a estes cataclismas do mundo informatizado. Agora vamos nos conectar na encenação de CHAT pelo Grupo Teatro de Fronteira, sob a direção geral de Rodrigo Dourado.

As luzes apagam e lanternas acendem, perfilando rostos de uma webcam direcionada ao chat caótico deste circo de atrocidades. Tudo se encontra neste bate-papo virtual, e as cenas se intercalam como se páginas da net fossem modificadas instantaneamente, sem o controle do internauta.

Os nicknames-coringas também é um ponto que preciso destacar. Um texto veloz onde os jovens atores(e uma ótima atriz!) preenchem o palco e as cenas de passagem e trocas “coringais” capacitam as cenas novas e novas surpresas aparecem ao espectador. Talvez a crueza mais contundente do texto de Ott/Dourado/Wellington fique um tanto tímida(momentos de felação e as partes anuais, referências ao ânus, no início do espetáculo), mas o elenco jovem é seguro, apesar disso, e não se deixa intimidar e leva a encenação ao propósito primordial do desagradável, tema recorrente aos que ficaram para o debate após a peça.

A violência e a violação dos direitos individuais ganha força no decorrer deste CHAT, conversa em espiral, que gira em círculos e que sai da máquina para o homem e vice-versa. Islamismo, fundamentalismo, burcas ideológicas de uma “guerra santa” que foi levada à loucura pela era desastrosa de Bush(pai e filho, cruzes!), e nisso a atualidade do texto é referendada, pois ainda temos, em 2010, Guantánamo, uma cortina que talvez se descerre deste enredo de degeneração da espécie humana. CHAT, novamente, nos coloca nesta atualidade, e se não há interesse por ela, como presentificação de nossa realidade, a culpa não cabe ao Gustavo Ott e ao Teatro de Fronteira, mas ao esquecimento histórico recente perpetrado com ajuda da mídia e de certos setores que insistem em pular a página da História que ainda encontra-se na metade da leitura.

A ridicularização do american way of life, através da glamourosa sequência de LOS ANGELES, cidade do espetáculo e da falsidade, onde o homem/mulher de cartola vomita suas aleivosias ao ingênuo deuteragonista que pergunta futilidades, e as claques ecoam ao longo do diálogo insano.

Linda é a sequência dos bonecos da “empanada”, emoticons-fantoches que lembram o que temos de pior nesta tradição dos bonecos, modelos fartamente utilizados pelos teatros cristãos de circunstância, especialmente da sua vertente pentecostal, mas que aqui ganham um charme todo especial, “ smiles” numa cena onde os atores demonstram perícia em sair deste motivo alegórico e adentrar no plano da atuação sem os bonecos, em perfeita sincronia com o ambiente sonoro, sem atropelos. Os atores retornam naturalmente às suas interpretações.

As marcas de movimentação das personagens deixam as cenas compreensíveis, em geral numa triangulação, onde o exemplo mais vísivel é a captura do internauta pela “boneca voodoo”, e que cena de impacto, aos sons de uma percussão engendrada feito um ponto de candomblé.

CHAT também pulsa este transgredir, sons de um tambor acelerando o coração e a sequência traumática de aprisionamento do infeliz neste cyber-espaço teatral, e uma respiração com ares de suspense, fechando a moldura desta parte de primor estético de CHAT. “Vamos morrer todos!”, e o próprio Teatro e a audiência torna-se réfem deste circo de horrores, arma em punho, circulando num palco, e a cena é interrompida, feito uma conexão que cai, inadverdidamente , e nova trama começa, ou recomeça.

É a emergência da internet, é a proliferaão de imagens, de textos, onde a única finitude que temos é a de seres humanos condenados ao sorriso eterno de suas caveiras . Vender uma criança ou atravessar uma fronteira perigosa é exatamente a mesma coisa, uma situação-limite, ilegal, e que acarreta, muitas da vezes, em catástrofes existenciais.

Por isso CHAT me pegou de jeito, talvez pelo fato de me fazer lembrar de um amigo que partiu, Orleilson Monteiro(veja no Orkut!), jovem que também, de uma forma ou de outra, representa o antí-clímax proposto por CHAT, CHATeando, por isso, aos que querem um Teatro de fórmula fácil, de apelos emocionais e de respostas acabadas para o limiar de uma loucura que é este século de contrastes.

*Historiador, ator e diretor de teatro, organizador do cine-clube LIPPOMUSIC, dramaturgo, poeta, escritor, membro do Conselho de Cultura de Manaus, naturista, fundador do Graúna(Grupo Amazônico União Naturista: http://www.graunaam.com.br)

Manaus, 23 de agosto de 2010.

domingo, 22 de agosto de 2010

Painel Crítico/ Seminário Internacional de Crítica Teatral

Leia o belo texto de Kil Abreu sobre CHAT. Uma diálogo lindo, generoso, revelador, com nossa cena.

Kil Abreu


No debate sobre o espetáculo o dilema instaurado no entorno de Chat tem no seu centro o problema do modo ideal de comunicação com a platéia e dramatiza algo curioso e não pontual, como pode parecer. Àquele decreto de que a sociedade não existe, o que existe são os indivíduos – máxima tatcherista que demarcou a evolução da política neoliberal – o teatro dos últimos anos vai responder, informado por uma conjuntura nova, que a sociedade não apenas existe, sim, como a sobrevivência do teatro depende fundamentalmente de uma retomada urgente do diálogo com ela.

É assim que toda uma ordem estética abre veredas que resultam em muito do que temos na cena brasileira hoje. Em contraponto ao esmerado e virtuoso acabamento formal de experiências herméticas e estilosas, como a dos oitentistas Gerald Thomas e Bia Lessa, o teatro de grupo vai retomar um modo de produção que, por ser naturalmente tumultuado, arredonda-se muitas vezes em resultados cênicos deliberadamente mais precários segundo certo padrão de visualidade, mas compensados por este movimento decidido na direção da cidade e dos cidadãos. Não serão poucos os exemplos, em coordenadas e propostas das mais diferentes, que indicam esta disposição de “descer à platéia” e estabelecer o confronto mais direto com o meio. Pensemos em toda a importante obra do Teatro da Vertigem invadindo presídios, rios, hospitais, igrejas; no Núcleo Bartolomeu de Depoimentos e o projeto com a cultura hip-hop. Pensemos na Cia. do Latão, dialogando com o MST nos terrenos do Círculo de giz caucasiano, nas intervenções urbanas do Ói nós aqui traveiz, ao sul, e o chamado às prostitutas da zona no trabalho do Cuíra, ao Norte. Todas estas e dezenas de outras são manifestações determinantes destes caminhos atuais da teatralidade, que se fizeram necessários para este deslocamento do eixo de criação, da obra representada para a obra quase que compartilhada com o público e a cidade.

Parece que há esta tentativa de estender novas pontes entre os espaços da vida privada e os espaços da convivência social, de estabelecer a comunicação com a platéia em um modelo mais flexível e mais direto quando da relação obra/público, o que institui, em alguma medida, uma maneira de resistir a mediações que impeçam a efetividade deste esquema. São políticas de uma presença direta que retomam aquela fé no sujeito como membro da engrenagem social (e neste ponto estariam alinhadas tanto as estéticas propriamente engajadas quanto os teatros da subjetividade, quando postos neste esquema relacional).

Mas, tenhamos calma. Este argumento não está aqui, claro, para enquadrar o espetáculo Chat nos espaços que ele não pretende visitar. Mas, talvez sirva para uma aproximação, pelas bordas, daquele tema que mobilizou a todos no debate. O interessante é que nele a questão de fundo indica justo o sujeito neste entremeio, o lugar complexo em que as mídias digitais nos colocam quando criam um espaço de sociabilidade que herda para si tanto aquele individualismo ilhado quanto uma mais que generosa possibilidade de compartilhamento e de socialização, com todas as variações sobre o desejo e o comportamento que as práticas mapeadas na montagem apresentam. E é isto o que determina as questões políticas e de forma que o texto coloca na mesa para serem exploradas ou revistas.

Pois, quando o encenador Rodrigo Dourado expõe detalhes do processo e nos relata aquelas tentativas de aproximação com a platéia, é também de dentro desta problemática que ele fala. Se o ponto de vista for o das soluções teatrais a dificuldade está em presentificar com objetividade (mas não em chave realista, segundo a vontade do grupo) a relação entre vida e virtualidade em todas aquelas variações que o texto sugere e em que o virtual (enfim, uma forma de construção da realidade) e o real, ambos conduzidos aos lugares da tensão dramática, têm fronteiras borradas, ainda que a ação se encaminhe para um afunilamento. O tema da presença penetra, então, todos os sistemas de relações da montagem: aqueles que acontecem no palco e que são desenhados na ação física, na determinação dos espaços de ficção e na tradução cênica das situações e personagens; e aqueles que dizem respeito à atenção da platéia e à maneira como ela é convocada a acompanhar a encenação.

Disto podemos partir para algumas considerações sobre o alcance e as dificuldades do espetáculo. Primeiro salta, talvez em contraste e já em resposta crítica ao universo da peça, uma posição ética do grupo que não se traduz em discurso paralelo à montagem. Está no próprio ato, na maneira dedicada com que o elenco empresta sua energia às cenas, em vontade de intervenção que é muito visível. Está também em uma concepção de espetáculo que não se conforma nem com o nihilismo (ainda que a tonalidade geral seja sombria), nem com o cinismo (porque não se põe apenas a descrever, sem compromisso, a dramaturgia). Há, muito a favor do trabalho, um empenho sincero em encontrar saídas criativas que amplifiquem a plenos pulmões problemas comuns que, pela novidade, nos parecem estranhos.

Por outro lado, como dizia Brecht, tornar estranho o familiar e familiar o estranho é atitude fundamental para a aderência e o reconhecimento crítico do espectador em relação à cena que ele vê. E, salvo engano, é este elemento de familiaridade que o espetáculo ainda não consegue convocar, de dentro da sua estranheza. Por isso será produtivo perguntar no momento em que a platéia responde na negativa se isto se deve apenas ao rol de temas da peça – que, de resto, não deixam de anunciar a violência que a vida ordinária já tem. Provavelmente os momentos de não aderência pode ser debitado na conta de um desconforto que antes passa pela dificuldade de acompanhar as proposições formais do espetáculo que, como observou bem o encenador, exige mesmo um compromisso de quem assiste. Entretanto, para além da preguiça mental que é mesmo disseminada, sugiro colocar em perspectiva também as dificuldades que o espetáculo tem na potencialização das atenções.

Uma parte do desafio que o texto de Gustavo Ott propõe está na concretização daquelas zonas “suspensas” da fantasia, até que ela se desdobre em ação real ou, por vezes, o inverso disto. De todo modo há este duplo fundamental. No espetáculo, porém, os diferentes campos pelos quais as ações avançam e recuam tendem a ser totalizados sempre como projeções de atos concretos, o que esteriliza o elemento de virtualidade e na prática coloca no mesmo plano cênico instâncias do imaginário da peça que, vistas assim, perdem parte do seu elemento dialético essencial. Mas, a perda não é apenas quanto ao pensamento. Alcança, a rebote, aquele efeito de comunicação do espetáculo que fica, paradoxalmente, desreferencializado por conta de uma excessiva materialização das imagens. Por isso, por exemplo, a violência que é informada e é assunto importante na dramaturgia não se intensifica a ponto de se transformar em ambiência, em estado cênico. Permanece como informação.

Como se vê, a encomenda inicial era mesmo das mais difíceis. Não apenas porque a representação teatral de modos novos de interação são, em si, difíceis. Mas porque a dramatização destes modos são a dramatização de aspectos novos da sociabilidade, muitas vezes estes sim, difíceis de visualizar e traduzir esteticamente com precisão. Voltando ao princípio, sem que se peça para que a montagem seja “social” e que interaja com a platéia (o que muitas vezes é apenas artifício de fachada que não ajuda em nada o caráter propriamente social do encontro), há de se pensar com atenção neste lugar comum entre cena e audiência, primeiro na perspectiva das soluções formais e depois na do alcance e do compartilhamento das idéias do espetáculo, que virão por extensão.

Sem prejuízo do argumento usado até aqui, estas dificuldades em certa medida também qualificam o trabalho de Rodrigo Dourado com o seu grupo. Se por um lado ele não é perfeito, por outro se dedica a articular tarefas artísticas e de pensamento de grande monta, que ganharam o espaço de uma especulação criativa inquieta, o que por fim acaba sendo a parte mais valorosa da experiência. Isto não é tudo, mas faz diferença no panorama recifense. Então, também já não é pouco.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

CHAT no DP

http://www.diariodepernambuco.com.br/2010/08/20/divirtase6_0.asp

Divirta-se
20.08.10

Teatro // Para estrangeiro (e pernambucano) ver Seminário de Crítica Teatral promove sessão de Chat e ensaio aberto de Senhora dos Afogados

Assim como temos curiosidade para saber como é o teatro asiático ou europeu, os estrangeiros também se interessam pela produção teatral brasileira. Por isso mesmo, uma das principais atrações para os críticos e pesquisadores que estão no Recife por conta do Seminário Internacional de Crítica Teatral é a mostra Sexualidade(s) e performance, que está sendo realizada desde o domingo passado.

Já foram apresentados os espetáculos Paloma para matar e Fio invisível da minha cabeça. Hoje, às 19h, no Teatro Hermilo (Bairro do Recife), tanto os participantes do seminário quanto o público em geral terão a oportunidade de conferir um ensaio aberto, da peça Senhora dos Afogados, que ainda vai estrear. A peça, que tem texto de Nelson Rodrigues, está sendo montada pela Cênicas Companhia de Repertório, com encenação de Érico José. A entrada é gratuita.

Já no sábado, será a vez da peça Chat (foto acima), do grupo Teatro de Fronteira. O espetáculo será encenado às 20h, no Teatro Joaquim Cardozo (Centro Cultural Benfica, Madalena). O espetáculo tem texto do venezuelano Gustavo Ott e direção de Rodrigo Dourado. No palco, são discutidas questões intrigantes e atuais: islã, terrorismo, conflitos religiosos, violência juvenil, fluxos migratórios. No elenco, Arthur Canavarro, Danilo Tácito, Kiko Gouveia e Patrícia Fernandes. Os ingressos custam R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada).

terça-feira, 17 de agosto de 2010

NOVAS IMAGENS DE LÍDIA MARQUES










































CHAT - Matéria FOLHAPE

Confira Matéria Completa:

http://www.folhape.com.br/index.php/caderno-programa/585511?task=view


Três peças encerram mostra teatral

O evento “Sexualidade(s) e performance” encena obras onde sexo é tema central

HUGO VIANA

PEÇA “Chat”, no sábado, cria narrativa com seis histórias que se cruzam

Ao refletir sobre a produção teatral do Recife dos últimos dez anos, Rodrigo Dourado percebeu um tema que se repetia de forma variada: a representação em cena do sexo. Como um dos curadores da mostra “Sexualidade(s) e performance”, segmento que integra a programação da quarta edição do Seminário Internacional de Crítica Teatral, Rodrigo procurou sistematizar um recorte de quatro peças entre o grupo de narrativas pernambucanas e dessa forma ampliar esse debate sobre a maneira como o tema é reprocessado por diretores locais.

A mostra começou no fim de semana passado, com “Paloma para matar”, e continua hoje, com a encenação da peça “Fio invisível da minha cabeça”, às 20h, no Teatro Capiba. A obra é baseada no conto “Além do ponto”, de Caio Fernando Abreu, no livro “Morangos mofados”. É um monólogo de estrutura temporal fragmentada, em que o narrador descreve sua inquietação particular antes de encontrar uma pessoa. Nesse sentido, embora o texto de fato descreva a ação física da caminhada, é uma narrativa em que a grande potência da escrita é o que não é verbalizado e permanece interno ao protagonista. A direção é de Breno Fittipaldi e o protagonista solitário é o ator Henrique Ponzi. O ingresso custa R$ 10 (preço único).

Enquanto as outras três peças que fazem parte da mostra “Sexualidade(s) e performance” representam um tipo de retrospectiva dos últimos dez anos do teatro pernambucano, “Senhora dos afogados”, programada para esta sexta-feira no Teatro Hermilo Borba Filho às 19h, com entrada franca, é uma narrativa selecionada porque os curadores entendem que reforça uma espécie de perspectiva para a próxima década. “Escolhemos ‘Senhora’ porque essa peça apresenta o que acreditamos que irá fundamentar a linguagem dos próximos dez anos”, explica Luciano Rogério, um dos produtores do evento.

O espetáculo, inédito, encenado por Érico José e produzido pela Cênicas Companhia de Repertório, leva ao teatro um texto de Nelson Rodrigues que se passa em região praieira. Na peça de ecos freudianos, a praia é tão selvagem quanto os personagens, sendo palco para um enredo que aborda uma paixão entre pai e filha, e o ódio que a jovem sente da mãe, enquanto em narrativa paralela prostitutas são assassinadas por um serial killer.

O festival termina no sábado com a peça “Chat”, de Rodrigo Dourado, às 20h, no Teatro Joaquim Cardozo. É uma obra que mistura referências contemporâneas diversas, filtradas a partir de seis narrativas que se cruzam. Para conectar as histórias, a obra cria uma ambiência baseada na erotização e na capacidade de sedução que a internet exerce. “Dizer isso já virou meio que clichê, mas com a internet as pessoas se protegem atrás do monitor. Fazem tudo que gostariam e realizam fantasias”, explica Rodrigo. “‘Chat’ debate a experiência de não-contato físico. É algo curioso, porque quando a gente encena a peça, resgata no palco esse contato, essa relação ator-plateia, o ator suando, o corpo, a voz que pode falhar ou ser baixa, essa precariedade de um corpo de verdade, de uma pessoa real. Percebo que no Recife as pessoas não querem mais essa transa, preferem o cinema, algo acabado, editado e cortado. ‘Chat’ é também sobre essa transa teatral, sobre o contato entre corpos”, comenta o diretor. O ingresso custa R$ 10 e R$ 5 (meia).

domingo, 15 de agosto de 2010

TEMPOS DE CRÍTICA

Stella Maris, que interpreta Carrar
Por Rodrigo Dourado

Fui ontem assistir à montagem de "Os fuzis da Senhora Carrar", no Hermilo. Agora, leio atento às críticas dos jornais pela Internet. Estamos numa temporada engraçada, há algumas semanas, temos crítica nos jornais toda segunda-feira. O que me chamou atenção é que três espetáculos locais receberam críticas recentemente: 1. O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas; 2. Lágrimas de Um Guarda-Chuva; 3. Os fuzis da Senhora Carrar.

CHAT não recebeu nenhuma. E parece um enorme paradoxo porque eu venho me exercitando nessa seara há anos e, quando estreio um trabalho como diretor, o retorno é nulo. Mas isso diz bastante do caráter do nosso trabalho: off-off-off. Nenhum jornal se interessou em escrever sobre ele. Bom, de toda forma, isso será sanado de maneira alternativa esta semana, quatro resenhistas farão suas considerações sobre CHAT, a convite da Mostra Sexualidades em Performance, que acontece dentro do Seminário Internacional de Crítica. Estou feliz com o fato de termos esse registro para o futuro.

Por hora, deixo vocês com os textos de FolhaPE, JC e DP sobre a Senhora Carrar. Digo apenas que, cada um à sua maneira - considerando as incoerências, as fragilidades, os medos, as superficialidades, os exageros e (algumas) tolices do que vocês vão ler - tem um pouco de razão sobre a montagem. Neutro eu? Imagina!

FOLHAPE:

Segunda, 16 de Agosto de 2010 02:37


220V -

“Os fuzis da senhora Carrar”: guerra em território familiar

HUGO VIANA

Em tempos de guerra, perdas individuais são também dores coletivas. “Os fuzis da senhora Carrar”, peça baseada em texto do dramaturgo Bertold Brecht, dirigida por João Denys e protagonizada por Stella Maris, em cartaz no Teatro Hermilo Borba Filho até 19 de setembro, aos sábados e domingos, às 18h, explora esse argumento com nível variado de mérito.

A peça narra, com intenção emotiva graúda, a história de Tereza Carrar, mulher que perdeu o marido soldado no começo da Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Ela deixa a resistência e assume os códigos morais da igreja, permanecendo neutra numa época em que não agir é visto como ajudar o inimigo. A comunidade a trata como traidora e insiste para que ela entregue seus filhos e os fuzis para a causa.

É uma narrativa que resgata um tipo de teatro não pautado pela tentativa de reproduzir o espaço real capim por capim, sendo uma peça com compromisso estético em evidenciar a ilusão teatral. Esse esforço coletivo busca se aproximar a certa noção de modernidade, em que a transgressão e a pesquisa de linguagem mudaram a ordem natural das coisas.

A ruptura com a ilusão de realidade surge com a desconstrução do espaço cênico. O palco de estrutura mínima é decorado apenas com o essencial, chão, janela e mesa, potencializando a tensão claustrofóbica do texto. Os atores têm cara pintada de branco, numa possível leitura conceitual de como máscaras escondem sentimentos ambíguos.

Outra tentativa de quebra, essa confusa por algazarra generalizada, é a participação de um coro que de vez em quando berra testamentos com prazo vencido. As luzes do palco de intenções realistas são atenuadas e fontes artificiais iluminam a primeira fila, onde está o resto do elenco. A ação dramática para e esses atores gritam coisas como “Os pobres nasceram para apanhar”. Pobreza retórica vista também em frases como “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”, e outros ditados populares de qualidade literária nula.

Essas frases são ditas com militância teatral de baixa utilidade, uma mistura água e óleo entre interpretação rígida no molde clássico e tentativa modernista de reproduzir o distanciamento brechtiano, estratégia que evidencia os mecanismos da engenharia teatral como forma de estimular pensamento crítico.

Embora faça sentido enquanto pesquisa, essa ruptura é talvez enfraquecida pela sensação geral de sisudez do elenco, que ignora a evolução lenta e gradual do repertório emotivo e parece sempre ligado no 220V, com voz alta e gestual efusivo.


JC:

» TEATRO


Senhora Carrar resiste ao tempo

Publicado em 16.08.2010

Eugênia Bezerra

ebezerra@jc.com.br

A pequena arquibancada do Teatro Hermilo Borba Filho ficou lotada na prestigiada estreia da nova montagem da peça Os fuzis da Senhora Carrar, sábado à noite. A encenação foi bastante aplaudida no final pelos presentes. No palco, os atores deram vida a um texto do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, em que vemos uma mãe tentando proteger os filhos durante os conflitos da Guerra Civil Espanhola. Este drama materno, no entanto, pode desdobrar-se em várias reflexões sobre a sociedade, liberdade e ideologias, entre outros temas. E não só em uma perspectiva histórica, pois algumas questões permanecem bastante atuais.

Tereza Carrar, a personagem do título, é interpretada pela atriz Stella Maris Saldanha. Há 32 anos, ela ganhou um troféu de atriz revelação pelo mesmo papel, em uma montagem feita pelo grupo Teatro Hermilo Borba Filho, assinada pelo já falecido Marcus Siqueira (homenageado na estreia deste sábado). No elenco também estava João Denys, diretor da montagem atual.

A história se passa em 1936, em uma vila de pescadores na Espanha. Após ter perdido o marido no conflito, Tereza reluta em deixar que seus dois filhos também sigam para a frente de batalha. Para isso ela tenta proteger os dois, observando pela janela enquanto Juan pesca e deixando José em casa. Em determinado momento, a personagem chega a afirmar que suportar a vida não é fácil, mas que os fuzis não são a solução e defende o diálogo.

Mas, a guerra vai chegando cada vez mais perto da vila e daquela família. Ao mesmo tempo, o irmão de Tereza, Pedro, também aparece para tentar convencê-la a revelar onde estão guardados os tais fuzis, que pertenceram ao marido dela, para ajudar a fortalecer a resistência. A situação, cada vez mais complicada, parece impor novas atitudes a todos os personagens.

Toda esta ação concentra-se basicamente na casa família. A cenografia é simples e eficaz, fazendo um bonito uso dos contrastes entre a madeira clara dos móveis e do tablado com os tons escuros que predominam no figurino e no cortinado ao fundo do cenário.

Mas a peça não está alheia aos fatos históricos. O que acontece do lado de fora deste núcleo familiar é representado com recursos de sonoplastia e iluminação, além da participação de atores portando objetos de cena ou transformando-se em uma espécie de coro. A escolha mostra que há soluções cênicas interessantes mesmo com economia de recursos.

Os fuzis da Senhora Carrar faz parte do projeto Transgressão em três atos, idealizado por Stella Maris, com os professores e pesquisadores Alexandre Figueirôa e Cláudio Bezerra. Eles farão um estudo sobre três companhias de teatro pernambucanas: o Teatro Hermilo Borba Filho, o Teatro Popular do Nordeste e o Vivencial Diversiones. A primeira etapa da iniciativa compreende a montagem de peças importantes na trajetória dos grupos.

DP:

Senhora Carrar e a estupidez da guerra Texto de Brecht é montado no Recife, mostrando que é essencial refletir sobre os valores da sociedade no início do século 21


Ivana Moura

ivanamoura.pe@dabr.com.br

Um pequeno tablado com uma janelinha suspensa, luz branca, gestual que atiça antigos sonhos, dez bons atores e uma direção primorosa para dar conta de problemas éticos e das utopias renovadas em Os fuzis da Senhora Carrar, com texto do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. O espetáculo estreou sábado, no Teatro Hermilo Borba Filho, com casa lotada. A montagem é uma revisitação estética e histórica de outra encenação de Os fuzis... realizada em 1978, pelo Grupo Teatro Hermilo Borba Filho, com direção de Marcus Siqueira. E faz parte do projeto de pesquisa cultural Transgressão em três atos, desenvolvido pelos jornalistas Cláudio Bezerra, Alexandre Figueirôa e Stella Maris Saldanha, que protagoniza a peça.

Os Fuzis da Senhora Carrar leva à cena a história de Tereza Carrar, moradora de uma pequena vila de pescadores e mãe de Pedro e Juan. O tempo é de conflito entre pacifistas e soldados, entre homens comuns e revolucionários anti-franquistas. Mas nossa protagonista já perdeuo marido e faz qualquer coisa para não ver os filhos metidos na guerra. A peça foi escrita por Brecht em 1937, no período da Guerra Civil Espanhola, que durou de 1936 a 1939. Dizem que não existe dor maior do que perder um filho (a). Tereza tenta evitar essa dor. Não é tarefa fácil, os generais avançam e a perda da liberdade se faz sentir cada vez mais perto. Como manter a neutralidade diante de uma situação dessas? Mas como entregar seus jovens filhos a uma guerra sangrenta, da qual dificilmente se sobrevive?

Sabemos que Brecht imaginava que o teatro deveria servir como instrumento de transformação social e de reflexão crítica da plateia. Mas Senhora Carrar é a mais dramática das peças do dramaturgo alemão. É estruturada de forma linear e nos faz acompanhar a decisão trágica dessa mulher que, diante dos acontecimentos não encontra outra alternativa para se manter viva.

"Por quem lutar ou enlutar, Carrar?", pergunta o encenador João Denys no programa da peça, em meio a uma avalanche de questionamentos que a própria montagem já desperta. Lá atrás, na ditadura do general Franco, as atrocidades e os terrores da guerra, o sacrifício humano e a barbárie. A guerra hoje é mais difícil. Existe uma letargia diante do capitalismo que dita destinos e as facilidades de comunicação sufocam o verdadeiro diálogo. Mas diante da intolerância, da miséria e da grotesca realidade cotidiana, da subserviência ou do torpor, a Senhora Carrar de Stella Maris Saldanha e de João Denys se insurge para lembrar da humanidade, sem romantismo ou heroísmo. Mas carregada de emoção.

Com seus rostos pintados de branco, os atores agem com a grandeza que o texto merece. A atuação de Stella Maris Saldanha como a protagonista Tereza é de tirar o chapéu. Voz clara, gestos firmes e nuances comoventes de uma mãe que luta enquanto pode para proteger seus filhotes. Ela sangra no palco e essa dor atinge o público. O ator Roger Bravo faz José, o filho de Tereza que quer ir para o front. Uma performance convincente. José Ramos faz o operário com garra e competência. Os três ficam a maior parte do tempo em cena. Alfredo Borba faz o papel do padre reacionário com destreza.

Também participam do elenco, em papeis menores mas não menos importantes: Ailton Brito, Evandro Lira, Karina Falcão, Socorro Albino, e Antonio Marinho. Enquanto não estão no palco, o elenco fica sentado na primeira fila. A direção de arte (cenário, figurino e maquilagem) é assinada pelo próprio João Denys. A sonoplastia, também de Denys, amplifica a carga das cenas. Um espetáculo ainda mais necessário neste começo de século 21.

CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA

Por Rodrigo Dourado

Hoje, cinco pessoas foram assistir CHAT. Eu fiquei me perguntando qual o sentido de fazer teatro no Recife. Todos eram amigos, aos quais agradecemos enormemente por nos darem de presente esta noite. Eu adoraria que esse espetáculo fosse visto por muitas pessoas, adoraria, mas somos uma produção off-off-off. Não temos uma grande produtora por trás, não temos atores de renome, não temos apadrinhamento, não temos espaço na imprensa. Não temos nada, além do nosso desejo enorme de fazer teatro e fazer bem feito. Será que vale à pena?

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

CHAT participa da Mostra "Sexualidades em Performance" do IV Seminário Internacional de Crítica Teatral

Nossa apresentação acontece no próximo dia 21.08, como último espetáculo da Mostra, às 20h, no Teatro Joaquim Cardozo.

Maiores informações em http://www.seminariocriticateatral.blogspot.com/

Compareçam!





Veja Matéria Completa da Folha de PE:

Caderno Programa
11.08.10

O papel da crítica

Seminário Internacional de Crítica Teatral promove debates sobre teatro contemporâneo

HUGO VIANA

A crítica cultural carrega em geral uma proposta reflexiva, de observar um produto artístico e sugerir leituras variadas, não apenas sobre a qualidade da obra, mas também onde ela se encaixa no panorama cultural de sua época. A preocupação da quarta edição do Seminário Internacional de Crítica Teatral, evento que começa neste sábado e vai até o dia 22 deste mês, no auditório do bloco J da Unicap, é debater essa identidade em transição da crítica, discutindo questões que fazem parte da produção teatral dos últimos dez anos e revisando o que esta primeira década do século 21 trouxe. As palestras (às 19h) que fazem parte da programação são gratuitas, a depender da lotação do espaço (as inscrições são feitas via e-mail: seminariodecritica@gmail.com ).

“Há muito tempo que se discute a ausência da crítica teatral nos grandes jornais”, explica Rodrigo Dourado, curador do evento. “O Recife teve atuação crítica forte nos anos 1950 e 60, com gente como Valdermar de Oliveira e Hermilo Borba Filho. Houve associação de críticos, cronistas teatrais, que congregavam uma série de intelectuais. Isso desapareceu mais ou menos nos anos 1990, quando a crítica teatral passou a ser uma atividade esporádica - a indústria cultural privilegia o cinema, a música, a moda, que passaram a ter mais importância do que teatro”, reflete o curador.

É nesse contexto que surgiu a ideia para o primeiro seminário, idealizado por Rodrigo e Wellington Júnior quando os dois ainda eram estudantes respectivamente de jornalismo e artes cênicas, na UFPE, e colavam suas críticas pelos corredores da universidade. Enquanto a primeira edição do seminário, em 2005, evidenciou o processo de historiografia da crítica teatral, convocando os decanos da área (como a carioca Bárbara Heliodora e o paulista Sábato Magaldi), a segunda e a terceira iniciaram um lento processo de reflexão para compreender a crítica teatral na formatação do pensamento analítico atual, algo que continua nesta quarta edição.

O seminário agrupa profissionais de diversas nacionalidades, o que certamente amplia o olhar lançado sobre as questões do teatro feito nesta década. Entre os palestrantes, estão a cubana Vivian Martinez Tabares (dia 14), o inglês Ian Herbert (dia 16), presidente honorário da Associação Internacional de Críticos de Teatro (IACT) e a japonesa Miyuki Takahashi (dia 19). “Embora o Recife se sinta um pouco excluído desse mercado teatral dos grandes centros, em geral em todos os lugares o teatro vive a mesma crise: de popularidade, de influência, de dinheiro. Especialmente o teatro experimental”, alerta Rodrigo. “O teatro que cada vez mais se parece com o cinema e a TV sempre tem dinheiro, mas o que quer continuar sendo teatro encontra dificuldades. Então acho que esse panorama que esta quarta edição promove, convidando profissionais de diferentes países, é bom para situar o Recife na produção do mundo. E eu adiantaria que a gente vai perceber que há mais semelhanças do que diferenças radicais”, reflete o curador.

MOSTRA

Além dessa proposta de pensar sobre a crítica teatral contemporânea, o Seminário também possui a Mostra de Espetáculos Locais, segmento que encena quatro peças pernambucanas, alinhadas a partir do eixo temático “Sexualidades em performance”. A programação será “Paloma para matar”, amanhã, no Teatro Alfredo de Oliveira, “Fio Invisível da Minha Cabeça”, no dia 18, no Teatro Capiba, “Chat”, no dia 21, no Teatro Joaquim Cardozo e “Senhora do afogados”, no dia 21, no Espaço Cênicas. “As três primeiras fazem um tipo de retrospectiva da produção teatral pernambucana nos últimos dez anos”, explica Luciano Rogério, um dos produtores do evento. “Já ‘Senhora dos afogados’ apresenta uma perspectiva, o que acreditamos que irá fundamentar a linguagem dos próximos dez anos”, ressalta Luciano.

Rodrigo, que atuou na seleção da mostra, e participa como diretor de “Chat”, explica o conceito que conecta as narrativas: “Essas quatro peças representam um recorte bem ousado: a cena e a sexualidade no teatro do recife. Tratamos das representações sexuais; ‘Paloma’ tem uma veia cômica e homossexual, ‘Fio invisível ‘, foi feita a partir de um texto de Caio Fernando Abreu e debate o homem, o sexo e a cidade, ‘Chat’, fala também a respeito da sexualidade e da virtualidade, e ‘Senhora’, texto de Nelson Rodrigues, que mais do que ninguém debate sexo. Optamos por esse tema das representações sexuais porque foi o que nos chamou a atenção nesta última década, como a cena do Recife articula identidades sexuais. É algo que diz muito sobre nosso teatro”.

Veja PROGRAMAÇÃO COMPLETA

Nesta edição de 2010, o Seminário Internacional de Crítica Teatral propõe um mergulho nos processos, métodos e estratégias da teatralidade contemporânea. O tema Encontro dos Continentes obtém a adesão dos principais pensadores do teatro contemporâneo mundial: Ian Herbert, da Inglaterra presidente honorário da Associação Internacional de Críticos de Teatro (IACT); Miyuki Takahashi, do Japão -crítica de teatro no Japão; Vivian Martinez Tabares, de Cuba teatróloga e editora da Revista Conjunto da Casa das Américas de Cuba. Além desses pensadores, dois interlocutores locais dividem o espaço de debate: Rodrigo Dourado - mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco; e Wellington Júnior - licenciando em Artes Cênicas, também pela Universidade Federal de Pernambuco.


No decorrer da programação do Seminário será realizada a Mostra Sexualidade(s) e Performance, com apresentações de quatro espetáculos locais que serão assistidos pelos críticos Kil Abreu (SP), Paulo Bio Toledo (SP), Duda Martins (PE) e Paulo Michelotto (PE).

Cada vez mais o Seminário Internacional de Crítica Teatral, único nessa categoria no Brasil, consolida-se como um espaço importante de reflexão sobre o fazer teatral contemporâneo. E põe o Recife como um dos mais importantes polos do pensamento cênico, colocando-o no centro da discussão mundial.

O Seminário Internacional de Crítica Teatral, edição 2010, justifica-se pela necessidade de cimentar as relações privilegiadas que têm sido construídas ao longo das suas realizações. O compromisso da Renascer Produções Culturais é o de contribuir para que profissionais e estudantes de teatro, bem como profissionais e estudantes de jornalismo (profissionais da informação) possam ter acesso a instrumentos e técnicas pertinentes a uma área tão específica como a crítica teatral. Além do quê, é necessário imprimir às realizações do Seminário outras perspectivas e visões enriquecedoras.

Programação Geral


14 de agosto às 19h

Abertura do Evento

19h30min

Palestra Vivian Tabares (Cuba)

Tema: O Teatro Latinoamericano na primeira década do século XXI

15 de agosto às 20h30min

Mostra Sexualidade(s) e Performance

Espetáculo Paloma Para Matar

Hórus Visão Cênica

Teatro Alfredo de Oliveira

Preço: R$ 20,00 (inteira) R$ 10,00 (meia entrada)

16 de agosto às 19h

Palestra Ian Herbert (Inglaterra)

Tema:Teatro Europeu de 2000 a 2010

17 de agosto às 19h

Palestra Rodrigo Dourado (Pernambuco)

Tema: Bonecas falando para o mundo: transformismo e performanceda (des)identidade pernambucana

18 de agosto às 20h

Mostra Sexualidade(s) e Performance

Espetáculo Fio Invisível da Minha Cabeça

Cia do Ator Nu

Teatro Capiba / Sesc de Casa Amarela

R$ 10,00 (preço único)

19 de agosto às 19h

Palestra Miyuki Takahashi (Japão)

Tema: Teatro Oriental na primeira década do século XXI

20 de agosto às 20h

Mostra Sexualidade(s) e Performance

Demonstração de Trabalho Senhora dos Afogados

Cênicas Companhia de Repertório

21 de agosto às 20h

Mostra Sexualidade(s) e Performance

Espetáculo Chat

Grupo Teatro de Fronteira

R$ 10,00 (preço único)

22 de agosto às 19h

Palestra Wellington Júnior (Pernambuco)

Tema: Por um teatro das encruzilhadas - de A Máquina até Encruzilhada Hamlet


Local das palestras:

Auditório do Bloco J da Unicap

Rua Nunes Machado, 81, Boa Vista

Informações: 81 4141-4726 / 8616-8950

Inscrições Gratuitas pelo e-mail: seminariodecritica@gmail.com

CARRAR e GUARDA-CHUVA

Por Rodrigo Dourado

Eu tou escrevendo esse post, mas confesso que morrendo de medo das leituras enviesadas que ele pode causar. Conversando com Roberto Lúcio, que é um pernambaiano, lá em Salvador nesse meu período de estada na capital baiana, ele me disse uma coisa muito simples, porém altamente esclarecedora a respeito do "espírito" das duas "metrópoles" nordestinas. Vou parafrasear: "Salvador é uma cidade novidadeira. Gosta dos novos, incentiva-os. Recife é uma cidade da tradição, desconfia e duvida dos novos".

Essa conversa se deu porque eu fui assistir a um grupo de alunos egressos da UFBA que havia montado um espetáculo de conclusão de curso com direção de Luiz Marfuz, e estava fazendo o maior sucesso em temporada na Sala do Coro do Teatro Castro Alves. Claro, era uma comédia. Claro, tinha Luiz Marfuz (respeitado na cidade) por trás. Claro, a montagem de fato tinha muitas qualidades e o elenco era bom. Claro, o baiano vai mais ao teatro que o pernambucano.

Mas quando eu vi o programa deles e a quantidade de apoios que conseguiram, fiquei assustado. Era muita coisa. E Roberto me esclareceu que era um grupo com uma "pegada" boa de produção, mas que, além disso, havia uma simpatia da cidade (especialmente dos comerciantes, empresários, imprensa) pelo que era novo.

Isso realmente mexeu comigo. Porque faz exatamente 16 anos que eu estou metido com o mercado teatral dessa cidade do Recife. 13 com mais intensidade. Vendo tudo, fazendo, errando, acertando. E eu continuo sendo novo. Às vezes eu acho engraçado, às vezes, eu acho cansativo. No começo dessa década, mais precisamente em 2003, houve um grande debate sobre a nova cena da cidade, os novos diretores e tal. E eu estava lá, participando ativamente do "babado". Isso realmente impregnou-se no discurso das pesssoas naquele tempo e parecia uma visada esperançosa. Mas esse debate se esvaziou, muitos pararam de dirigir e o foco nos diretores cessou, voltando-se para os grupos a partir de 2005.

A verdade é que esse comportamento recifense, pernambucano, é visível nos movimentos culturais da cidade e no métier teatral é "batata'. Na Imprensa, então, nem se fala. Nas comissões de leis de incentivo, afe maria! Os projetos têm que ter sempre os mesmos nomes, as pessoas não acreditam que você possa fazer algo interessante. E a cidade vai, assim, ficando mofada, velha, cansada, repetitiva, reacionária, conservadora. Enfim, é triste.

Eu não acho que a gente não deva estender o tapete para os experientes, os mestres. Mas aqui, essa relação se estabelece como uma relação de disputa, tipo: "Eles querem tomar o nosso lugar. Não podemos deixar". Eu não sei de onde vem isso, talvez desse sentimento pernambucano eterno de ter sido superado economicamente por outros estados do Brasil, essa necessidade de se apegar ao "antigo" como valor absoluto de troca da nossa cultura. Enfim, sou todo incertezas.

Agora, por exemplo, na cidade, estão em cartaz dois espetáculos de diretores que começaram suas carreiras nos anos 70 e com os quais o teatro do Recife tem um grande débito. Eu presto toda reverência, deferência, a esses dois: Cadengue e Denys, que me ensinaram um bocado sobre teatro com seus escritos, com sua cena, com suas falas, mesmo que não saibam disso.

E acho que a relação tem de ser essa, reconhecer a história - não se alienar dela - mas não temer o futuro, investir nele. Por isso, eu digo, vão assistir CHAT, mas não deixem de ver Lágrima de um Guarda-Chuva e Os fuzis da senhora Carrar. Eu já vi o primeiro.

Segue matéria sobre os fuzis no JC.

» DRAMA


Senhora Carrar volta depois de três décadas

Publicado em 13.08.2010

Stella Maris Sandanha estreia hoje no papel que a revelou como atriz, na montagem do clássico de Bertolt Brecht

Duda Martins

emartins@jc.com.br

Há 32 anos, uma atriz iniciante ganhava do seu diretor um dos principais papéis da sua carreira. Tereza Carrar era uma personagem complexa, madura, cheia de significados, e aos 18 anos era quase impossível Stella Maris Saldanha absorver todo o peso que a cria do alemão Bertolt Brecht carrega. Quase, pois a despeito da falta de experiência, o papel lhe rendeu, naquele ano de 1978, o prêmio de Atriz revelação. A peça tinha direção de Marcus Siqueira e trazia no elenco ainda o jovem João Denys, que no auge dos seus 22 anos se entregava ao primeiro trabalho de repertório dentro do grupo Teatro Hermilo Borba Filho. Stella e João Denys voltam no tempo amanhã, às 18h, com a estreia de Os fuzis da Senhora Carrar. Agora no papel de diretor, Denys afirma: “não é uma réplica do que foi visto há mais de 30 anos, mas pretendemos emocionar as pessoas como fizemos naquele tempo”.

A peça é o pontapé inicial do projeto Transgressão em Três Atos, idealizado por Stella Maris, em parceria com os professores e pesquisadores Alexandre Figueirôa e Cláudio Bezerra. O trio fará um estudo sobre três dos mais emblemáticos grupos de teatro de Pernambuco, o THBF, o TPN e o Vivencial Diversiones. A primeira etapa é a montagem dos espetáculos que marcaram a trajetória das companhias.

O casting de Os fuzis foi cuidadosamente escolhido. “Queríamos pessoas que de alguma forma estivessem envolvidas com a história do THBF”, disse Stella. Socorro Albino, José Ramos e Eduardo Diógenes são egressos do extinto grupo. Também foram convidados Roger Bravo e Alfredo Borba, (filho de Hermilo), que anunciou ser essa a sua última participação nos palcos recifenses.

Considerada uma das obras mais dramáticas de Brecht e um dos maiores clássicos da dramaturgia mundial, a peça é ambientada no ano de 1936, durante os conflitos político-sociológicos da Guerra Civil Espanhola. Após ter perdido o marido lutando nas brigadas de autodefesa, a Senhora Carrar se enclausura junto com suas contradições existenciais e teme o futuro de um dos seus filhos, que está prestes a tomar o mesmo caminho do pai, alistando-se junto à forças armadas. “Eu não acredito nem em resgate, nem em remontagem. O tempo é inapreensível. Tudo hoje é diferente. Seria me molestar muito, trabalhar em cima dessa proposta. Se naquela época a peça estava grudada aos resquícios de uma ditadura, no fim de 70, a nossa questão é mais voltada para uma revolução ética”, contextualiza Denys. Segundo ele, a questão basilar desta montagem é a não-neutralidade. “O texto instiga as pessoas a tomarem partido. Fazer com que elas reflitam sobre a importância de suas decisões”, diz o diretor.

Poucas modificações diferenciam a cenografia atual do cenário projetado na primeira encenação, feita no antigo Teatro Hermilo Borba Filho, sediado em uma pequena casa em uma das ladeiras de Olinda. O cenário reproduz o estreito palco daquele teatro, com os mesmos objetos cênicos.

Marcus Siqueira é o principal homenageado na noite de estreia do espetáculo. Merecedor de toda a devoção dos atores – que o tratavam como mestre – o antigo diretor do grupo foi a força motriz desse projeto. “Ele defendia uma estrutura cênica despojada de ilusões e artifícios. Era um teatro de ideias e de expressão social”, explica Stella. “Eu nunca consegui me divorciar da Senhora Carrar. Essa é uma possibilidade de tocar em coisas escondidas, inclusive no amor. Eu tinha um grande amor por Marcus Siqueira. Quando ele morreu fiquei meio órfã, meio viúva. Se você me perguntar hoje qual é o meu estado de espírito eu digo: eu sou uma mulher apaixonada. São muitos os caminhos que levam a esta montagem. Da grandeza do autor do texto, Bertolt Brecht, à alegria de representar. Mas agora, escolho apenas dois desses caminhos vários: a provocação e o afeto”, completa a atriz.

» Os fuzis da Senhora Carrar. Amanhã e domingo, às 18h. Teatro Hermilo Borba Filho (Av. Cais do Apolo, s/n, Bairro do Recife). Ingressos: R$ 20 e R$ 10. Fone: 3232-2030.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

MAIS UM ESPETÁCULO COMERCIAL ARRASA-QUARTEIRÃO NO SANTA ISABEL

Por Rodrigo Dourado

Todo fim de semana, Recife recebe um espetáculo arrasa-quarteirão nalgum teatrão da cidade: Santa Isabel, UFPE, Guararapes. A cidade (como todas as periferias do Brasil) é uma excelente rota para essas produções, de caráter comercial, com rostos televisivos e tal. Isso porque uma boa parcela da população da cidade ignora o teatro local, que não tem espaço na imprensa, e vive numa mediocrização generalizada, pautando o acesso aos bens culturais a partir do que dita a TV. Eu não sou ingênuo de achar que a Imprensa local não "abriria" as pernas para esse tipo de produto, segundo aquela lógica: as pessoas querem isso! E a gente fica sem saber se as pessoas querem isso, de fato, ou só querem porque só conhecem e têm acesso a isso.

Enfim, a verdade, é que eu fico chocado como os espaços antes totalmente cerrados para nós, que estamos em cartaz na cidade, se abrem de maneira tão generosa para essas produções. Principalmente na TV local, que ignora solenemente o teatro que se faz aqui, me deixando as vezes com a impressão de que fazer teatro em Recife é um capricho.

Na prática, agora que estou em cartaz, torço para que, a cada final de semana, alguém tenha a brilhante ideia de olhar o diminuto roteiro do jornal e se interesse em nos ver. Enfim, tudo isso, pq agora, nos dias 07 e 08 é a vez de Mulheres solteiras procuram, no Santa Isabel, como o ator O ator Daniel Del Sarto, que, segundo matéria do JC OnLine "já foi namorado de Sandy na ficção e atualmente integra o elenco de A turma do Didi".

Haja paciência!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O ENSAIO ABERTO I

Por Rodrigo Dourado (Diretor)

Em 08 de Dezembro do ano passado, fizemos um ensaio aberto de CHAT, dentro da Mostra Capiba de Teatro, do Sesc Casa Amarela. Foi um momento decisivo para o grupo, para mim, para todos. Estávamos trabalhando desde abril, tínhamos pensando várias vezes em datas para estreia, submetemos um projeto de temporada ao Capiba e desistimos. Foi um período difícil, eu estava meio obcecado com a ideia de não virar 2009 sem apresentar qualquer resultado do trabalho. Tudo era muito instável, ficamos sem produtor, a cena ainda estava em plena construção, nada estava fechado e era muito difícil concluir um trabalho de direção de arte com a cena ainda aberta daquele jeito e eu tive de assumir tudo, junto com os atores. Para eles, foi um aprendizado de pedra, pq não estava no nosso acordo que eles teriam de assumir outras funções que não a de atores.

Foi um enorme aprendizado para mim como diretor. Primeiro, nosso trabalho de dissecação do texto foi maravilhoso. Fizemos um aprofundamento enorme, com todos presentes - inclusive Wellington - debatemos todas as temáticas do texto - políticas, religiosas, econômicas, etc. - investigamos as personagens a partir do modelo actancial de Greimas/Ubersfeld - isso porque eu já tinha em mente que minha abordagem não seria psicologizante, mas política e épica. Desmontamos o texto, duvidamos das personagens, investigamos as fragilidades da dramaturgia, debatemos as possíveis transposições para a cena. Assistimos filmes, buscamos as referências literárias do texto, como Blake. Lemos, lemos, lemos. Inflexões, entonações, imagens, climas, personas. E, então, pulamos para construir as cenas. Esse foi meu primeiro erro, imaginar que meus atores conseguiriam saltar de uma fase meramente textual/verbal/intelectual para a fisicalidade/afetividade da cena e das personagens. Não seria tão fácil.

Na sala de ensaios, comecei a propor que as cenas fossem construídas tomando por base a ideia do estranhamento das formas. Não queria que fossem criadas a partir da relação homem/computador – máquina, como está indicado no texto: personagens (no I ATO) tendo à frente teclados de computador e os diálogos se dando dessa maneira. Eu achava que as cenas tinham tanta teatralidade, que mereciam outras formas, mais vivas. E que nossas cenas deveriam sugerir outras perspectivas, outros ângulos de visão para aqueles diálogos e situações. Abandonando, assim, a noção de que as personagens não se viam, não se tocavam, estavam apartadas e protegidas atrás do monitor. Para mim, mesmo no CHAT, os encontros aconteciam, as pessoas se tocavam. Mas esses encontros se davam não de forma realista, mas de maneira teatral, com as personagens/nicks/pessoas se transformando em tipos/forças. Com aquelas fantasias da CHAT transformando-se em TEATRO, numa espetacularidade manifesta, exposta. Deixando assim uma abordagem meramente psicológica e algo realista (o que geraria algum conforto para a plateia) na direção de uma abordagem estranhada, política e não realista (o que demandaria da plateia uma postura ativa e refelxiva).

A ideia também era colar outras camadas de sentido aos diálogos e aos encontros, estranhando-os, colocando em risco as palavras, duvidando e reelaborando as informações das falas e criando outras situações. E assim, fizemos, tudo com o objetivo de superar uma leitura aligeirada da dramaturgia, das personagens e obstruir qualquer leitura superficial da plateia. Queríamos que a plateia estranhasse a forma, com o objetivo de acordá-la, despertá-la para os conteúdos. Especialmente porque os temas que a peça aborda são muito reconhecíveis, estão no noticiário diariamente, há uma saturação deles. Assim precisávamos, politicamente, aprofundar o debate, desmontar as representações cotidianas dos temas e das personagens, e para isso era extremamente necessário estranhar as formas. Tudo muito brechtiano. (Continua...)

Imagem do ensaio aberto:
"CHAT" EM IMAGENS

Aqui estão as belas imagens capturadas pela atriz e jornalista Fátima Braga, que vem fazendo um ótimo trabalho de registro da cena da cidade, disponível em seu orkut. Agradecemos a ela pela generosidade e pelo apoio!