domingo, 5 de setembro de 2010

Chat – um lugar de encontros

Por Júnior Aguiar

No último domingo de agosto terminou a primeira temporada do espetáculo chat no belo e sempre acolhedor Teatro Joaquim Cardozo.

Chat é um trabalho importante e configura uma obra de larga dimensão na nova cena recifense. Vários são os motivos que justificam nossa aclamação/reflexão: os vários nomes envolvidos no projeto, a atualidade/complexidade do texto, as críticas levantadas durante e após o Seminário Internacional de Crítica Teatral realizado no Recife e, principalmente, a forma criativa do grupo Teatro de Fronteira, ao pensar no teatro contemporâneo.

A encenação foi concebida pelo pesquisador, crítico e professor de teatro Rodrigo Dourado, com o suporte de um elenco diversificado, formado pelos atores: Arthur Canavarro, Danilo Tácito, Kiko Golveia e Patrícia Fernandes. O texto de Gustavo Ott, premiado dramaturgo venezuelano, foi traduzido por Dourado e Wellington Jr (que assinou o trabalho de dramaturgismo). Destaque especial para a sonoplastia irreverente e bem pontuada proposta por André George e Rodrigo Dourado. Sem dúvida, um dos melhores pontos do espetáculo! Vale ainda ressaltar a presença de Carlos Ferrera, Java Araújo, Dado Sodi, Bruno Brito e Nelson Lafayette. Nomes bastante atuantes no teatro pernambucano.

O pequeno Joaquim Cardozo estava quase cheio. A música indicava uma conexão, os atores pela platéia dizem textos poéticos enquanto vamos sentando, escolhendo nossos lugares de acesso. É o começo da navegação. Aos poucos, vamos sendo apresentados a cada um dos personagens (Pilarsur – uma garçonete / Dylan17 – um adolescente circunspecto / Boris22 – um professor infeliz / Erika17 – uma adolescente obcecada por beleza / 80min – um pedófilo / Andrea40 – uma mulher louca para ser mãe / Arte44 – um aliciador de mulheres / Montobe – uma mulher aliciada pelo tráfico humano / Ahmed1109 – que procura homens-bombas para lutar pela guerra santa). Observando esse mosaico humano vamos entendendo como funciona a lógica do jogo que está sendo proposto.

Os atores vivem todos os personagens, brincam de nos confundir, de “mentir” quem são realmente. E de vez em quando, sempre perguntam enquanto dialogam: Você é mesmo de verdade? De alguma forma a peça começa nesse ponto, questionando a veracidade do real ou evidenciando a dimensão das ilusões, do simulacro que configura esses lugares de encontro no espaço virtual. No fim, tudo pode ser mentira ou não. Quem já entrou num chat, quem já esteve numa sala de bate-papo sabe muito bem do que estou falando. E os personagens dizem logo de imediato: “Qual seu nome? Quantos anos? Como é o seu Cuzinho? Me manda uma foto dele para eu saber se você existe?”. Os personagens parecem se divertir com suas taras, compulsões e desejos incontroláveis. E muitas vezes falam sério, levando tudo o que sentem, às últimas conseqüências. Cada personagem tem um elemento que o personaliza. Assistimos abertamente os atores compondo rapidamente cada personagem e numa rapidez ainda maior se desfazendo dele. Na maior parte da encenação, o elenco acerta nas escolhas, buscando uma unidade para a encenação dentro da perspectiva proposta por Rodrigo Dourado - que enxergou no discurso de Gustavo Ott - uma visão pertinente e provocativa sobre a Internet.

Não há como negar, as coisas vão ficando confusas, temos que ligar os pontos da narração, correr atrás dos sentidos para entender e compartilhar “os arquivos” enviados por cada fala. É a fragmentação do pós-dramático, do pós-moderno, do cotidiano atual das nossas grandes cidades repletas de informações. As críticas sobre o espetáculo ou o aparente distanciamento do público (que não parece cúmplice durante a maioria das apresentações) têm como base esse elemento dramatúrgico que, muitas vezes, não facilita o nosso acesso. Apesar de querer de nós, espectadores passivos, uma relação mais ativa. Na crítica de Paulo Bio Toledo, publicada no site Bacante em Obras, levanta-se um questionamento muito pertinente: seria o público que não responde, porque anestesiado e passivo? Ou deveria ser objetivo da própria arte encontrar a linha cirúrgica de diálogo com seu tempo?

Nesses momentos em que nos distanciamos é como se a “conexão tivesse caído” ou como comumente se diz a velocidade ficada lenta. O espetáculo ou o texto se distancia de nós, não comunicando diretamente para onde quer nos levar com todas aquelas histórias. Mesmo que no fim, uma das partes mais bonitas e emocionantes, tudo pareça esclarecido, encaminhado para uma reflexão sobre nossa existência e nossas relações (tudo acompanhado por uma bela e arrebatadora música instrumental).

Chat é um retalho de cenas, de imagens, de pequenas falas como um diálogo de internet. É metalinguagem, metateatro. Tem muito humor e destaco a cena que Patrícia Fernandes vestida de tio Sam seduz um rapaz para levá-lo aos EUA. Ou quando Arthur Canavarro diz que a melhor coisa do mundo para ele é ir na praia (e todos ilustram a imagem). Ou quando os atores fazem a manipulação dos emoticons. KKKKKK

Na peça, a internet não é o lugar da violência, como de imediato pode parecer aos nossos olhos assistindo todos aqueles conflitos emergirem quase sem fim. A violência, na verdade, está e sempre esteve nas pessoas. Evidenciando do que a espécie humana é capaz. São sempre de dentro de nós que nascem as atitudes, claro, que muitas vezes, influenciadas pelos contextos. A internet é apenas um (vasto) instrumento que nos faz pensar: Para onde vão as pessoas quando acessam esse mundo desconhecido, perigoso e fantástico?! Quem elas querem ser? E do que elas são capazes? Pensamos durante ou depois da encenação terminar. E a peça está ali para nos dizer que é preciso acreditar ou que os encontros/desencontros são inevitáveis entre todos nós – imersos nessa rede, nessa teia simbólica.

Para mim, constato que o teatro comunica ou tenta comunicar, a cada nova apresentação, um mundo que não se esgota. E essa é a sua missão mais importante! Era a terceira vez que eu estava ali assistindo Chat e era maravilhoso perceber como as idéias crescem, como os atores melhoram com o tempo das temporadas e que o extraordinário é essa evolução sincera da cena e do trabalho de cada ator, em cada um dos seus níveis de aprendizado e conhecimento sobre as artes cênicas, sobre a obra que defendem com seus próprios corpos. Eu sei o quanto todo aquele grupo ensaiou durante meses, o quanto foi investido de sonho, de dinheiro e de amor pelo teatro para se chegar ali, naquela parte desse longo caminho, naquela cena reconhecidamente contemporânea.

atenciosamente,

Júnior Aguiar

Jornalista e

ator do Coletivo Grão Comum

http://graocomum.blogspot.com